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Nauru ou Bauru

Não, ne, ní, nie, niet, nicht, no, non, not. Foi em um domingo normal, após o almoço de macarronada completa e limonada. Todos nos reunimos em frente à televisão para assistir a um filme cujo título não me recordo, um nome espanhol interessante que rimava com “manca”. Espremidos no sofá, algo não me deixava estar ali por completo, algo me chamava e me dividia, algo me queria, algo queria desesperar o domingo normal. Algo me levou ao quartinho dos fundos. Levantei e deixei o filme de lado. No quartinho com cheiro de mofo, o quartinho dos fungos, agachei e retirei uma caixa de papelão da estante de livros. Na caixa, um primeiro jornal estampava: Bauru, maio de 1968. Tateei com os olhos a primeira folha e um tópico foi ensurdecedor: Nauru. Particularmente, nunca tinha lido a palavra Nauru. Erro de palavra? Parecia um erro de digitação, alguém poderia ter batido errado, dada a proximidade na máquina entre as letras B e N. Mas a palavra Nauru aparecia divertidas vezes no excerto do jornal.

Bauru Especial

Modo de preparo: 1. Desembrulhe o Teatro Municipal de Bauru: tire do esconderijo, mude de lugar, rotacione, revele a forma, pule os muros, apresente o conteúdo, abra aos domingos e feriados, descasque como banana, desembanane, encha de ar e depois esvazie aos pouquinhos, mostre o caroço, não descarte depois de usar, plante o caroço, lave suas peças de roupas em público, conte segredos para as coxias, deixe ventilar e secar, convide-se para dormir no palco aos sábados, cubra-se com as cortinas, apague as luzes, libere para sonhar, sonhe. 2. Mergulhe no Rio Bauru: seja profundo, conheça novos habitantes, conviva com eles, viva por eles, tome toda sua água e devolva limpa, faça companhia para a correnteza, dance nas margens, pendure uma rede na ponte, atravesse em uma jangada de ponta cabeça, perca-se no caminho, construa um submarino com palitinhos de fósforo, suspenda-se na superfície, lembre-se de boiar, durma com o rio, espalhe-se por todos os lados, segure a respiração, preencha todo

Nunca mais te vi em Bauru

Toda parede tem história. Uma parede é definitivamente uma memória: dentro da nossa cabeça — dentro da nossa cidade. Quando você olha para uma parede, inevitavelmente, uma rachadura se abre como porta de labirinto, fluem as ideias, surgem pensamentos. Impossível não lembrar a história da sua parede do coração. Você já parou para reparar, por exemplo, como é a parede que você passa diariamente no trajeto ao trabalho? Desde sempre no mesmo lugar? Qual sensação essa parede te traz? Experimente observar o entorno dela, o que está em volta, a parte branca do olho… Meu tio morava aqui perto. Aqui antigamente não tinha semáforo. Nesta esquina, dei meu primeiro beijo. Na minha época, essa rua descia. Eu que colei essa figurinha, tirei do meu caderno da quarta série. Apareceu aquela mancha ali quando arrastaram essa mesa no seu aniversário. Um dia esse muro de casa amanheceu escrito SANDRA, TE AMO, tivemos que pintar. E eu nunca mais te vi em Bauru. Algumas paredes ainda lembram você, definitiv

Caetano estaciona em Bauru

Caetano Veloso está a 200 km/h na Rodovia Marechal Rondon. Seu destino: Bauru, a cidade sem limites. A rodovia tem limites: 110 km/h para veículos de passeio, como o Ford Ka 1.0 verde-esmeralda do compositor. Seu carro tem apenas duas portas, e ambas as janelas estão abertas, por onde entra uma ventarola tremenda que se confunde com o som do seu rádio. Faz tanto barulho que é quase silêncio: não se ouve nada, nada é distinguido. Um pen drive azul está conectado e reproduz o pacote MP3 das 100 melhores canções brasileiras de todos os tempos. Por onde passa na rodovia, ultrapassando caminhões em descidas, e motocicletas nas curvas, Caetano é seguido por flashes, de repente, zoom, ganha mais alguns pontos na carteira. Caetano não passa despercebido, está no radar, mesmo com quase 80 anos, a 200 km/h, microcomputadores anotam a sua placa, fazem a sua identificação. O sol nos limites de Bauru está de rachar mamona: Caetano dirige sem camisa, o peito aberto às novidades. No suporte ao lado d

A primeira vez, Bauru, que fui ao cinema

Sabe, Bauru, eu não lembro a primeira vez que fui ao cinema. Não lembro quantos anos eu tinha, qual filme passava, qual cinema era. Mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto, eu me lembro muito bem uma específica vez que fui ao cinema. Na infância. É a minha primeira memória relacionada ao cinema. Vamos considerar aqui, pela memória, como a primeira vez que de fato fui ao cinema. Lembro meu pai e eu, de mãos dadas, no centro de Bauru, caminhando pelas ruas, as cenas esparsas, as falas entrecortadas, o comércio vivo. Eram férias, provavelmente. Caminhávamos em direção ao cinema. Entenda isso: caminhar em direção ao cinema. Dirigir-se ao cinema. Ir ao cinema. Entenda isso: o choque, o encontro, a importância da experiência. A visita ao cinema. O cinema enquanto espaço, o cinema como ponto de chegada e partida, o cinema presença. Sabe, Bauru, chegamos meu pai e eu, de mãos dadas, à bilheteria. E como em um filme de comédia, vimos o horário da sessão errada no jornal impresso: ú

O leão de Bauru

Às segundas-feiras, no colégio, tinha aula de português. E alguém sempre gritava: aula de crase, outra vez? Mas a professora não se chateava. Para começar a ensinar, apagava a lousa cheia de tabuada. Porque antes dela chegar, vinha o professor de geometria. E uma vez ele comentou, durante a lição, um segredo que ninguém sabia. Peçam para a professora contar a história do leão, disse o professor medindo o lado de um isósceles com a mão. Foi o professor dizer e a sala ficou em silêncio absoluto. Nada se ouvia a não ser alguém soprando uma bolinha de papel com canudo. Todo mundo ficou pensando na tal história curiosa. E assim que a professora chegou, encontrou a sala em polvorosa. Muitos em pé, poucos sentados, estava uma algazarra completa. A profa se aproximou, puxou a cadeira, sentou e deixou a apostila aberta. Passaram alguns minutos e a professora continuava quieta. Ela tinha esperança que a sala percebesse a sua presença e terminasse a festa. Mas nada parava aquela turma do barulho.

Neva em Bauru

Na última segunda-feira (5), os moradores da cidade de Bauru, interior do estado de São Paulo, foram surpreendidos por uma frente fria desconhecida. Restringindo-se apenas aos limites do município e não atingindo as cidades-vizinhas, como se uma nuvem carregada espelhasse o formato da cidade no céu, Bauru está imersa a temperaturas negativas de -1° a -3°C, fato nunca antes registrado na história do centro-oeste paulista. Na segunda-feira pela manhã, após um domingo ensolarado, o centro da cidade abriu as portas para o comércio vagarosamente, era sintoma do frio repentino. Desde então, a população está agasalhada e reclusa, mas não há pânico. Apesar das negativas, o frio está controlado e as primeiras medidas foram tomadas pela prefeitura, com reforços a albergues para moradores de rua e a antecipação da campanha do agasalho. É no mínimo estranho, né? Estamos em pleno verão de janeiro e até ontem literalmente pulávamos na piscina, isso é à primeira vista completamente inexplicável, nós